quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Contigo Mãe vejo-me no avião
Com a minha irmã Maria João
Aqui cheguei dia 1 de Agosto
Deus sabe meu grande desgosto

Voando no tempo, p'ra trás
Não consigo ver como começou
A revolução sem mais estourou

Conversas com antiga colega
Negra, leal muito amiga
Conversa outrora proibida
Coisas que me punham sentida

Até que um dia rebentou
Um surdo matraquear...
Tiros, granadas, a vida parou
Música de fundo, o bombardear

Foi ao fim do dia!...
Na hora que antecede a noite
Que uma grande angústia...
M'atormentou com ansiedade

Meu Pai levou a lavadeira
Não mais vi a Constança
Trouxe a João para casa
Tudo fechamos, dele a lembrança

Mãe,Nuca,Eu,Avó, João
Medo não, isso não estava
Estampado em nossas faces
A Mãe e a Avó nos encorajavam

Um tiroteio prolongado
Então se fez sentir
Refugiamo-nos com amigos
Na casa do Orlando

Aí a noite passamos
O Febo, o Pai, Orlando
A lerpa então jogando
Eu e os outros tremíamos

Veio a madrugada finalmente
Á rua viemos para observar
A calmia repleta d'ameaças
admirei-me de tudo igual estar

Parecia que tinha passado
Um século, tal foi o medo
Pouco demorou meu alheamento
Medo voltou com o bombardeamento

Nem me recordo se comi
Desse dia dele nada recordo
Apenas de vir numa avioneta
Nuca ao colo e a Avó ao lado

Cheguei a Luanda chorei e ri
Vazei o medo e o horror
Minha Bélita e querida Elsa
M'esperavam cheias de pavor

Meus pais ficaram em Salazar
Soubemos que lhes tinham dado
Uma hora de vida para fugirem
Eles não chegaram, não fugiram...

Tinham no quartel
Suas vidas refugiado
Não sabia deles nem da Avó
Nem dos tios, nem amigos

Juntamo-nos então em Luanda
Amigos, nada mais soube deles
Tudo estava disperso...
Vagueando no espaço...

O medo...o pavor...a morte...

Aqui as coisas tornam-se
demasiado confusas
Como se as visse através d'uma lente
conexa ou espelho distorcido

Voltei a Salazar para fazer exames
Minha tão adorada terra
Quão Distante e diferente pareces-te
Nada então já era idêntico

Mas pensei para mim
Em mia ignorância
Ao ver minha rua despovoada
A minha querida casa trancada

Entrei no meu quintal
A vida tinha aí parado
Apesar de estar tudo igual
Tentei entrar, tudo fechado

Acho que só consegui
Passar uma vez mais por essa rua
Por muito que o tentasse
Nunca mais aí volvi...

o som das vozes
o som dos passos
o som fantasmagórico
ali somente pairava

Após os exames terminados
Esperando sómente os resultados
A guerra, tudo novamente
Recomeçou selvagemente

Voltei a fugir para Luanda
Antes disso de Luanda fugi
Fugi para Carmona, Camabatela
Fui revistada, mas de susto não morri

Hoje ainda não consigo rir
Ao recordar esses momentos
Atrozes em que eu Elsa, Rui e Zé
Nos vimos mui medrontados

Tanto negro saindo do capim...
Naquela curva fechada, os barris
A noite tão negra...
Os negros saindo do capim...

Fardados, armados, selvagens
Não me lembro de suas expressões
O carro parado, o Zé impondo calma
Mandaram-nos sair, tirar bagagens

Tudo vasculharam, procurando armas
estava de tal modo transida de medo
Meu coração, nem a respiração sentia
Tive em todo o momento noção da violência

Sabia que aos homens, meus cunhados
Sua morte seria rápida instântanea
Mas para nós a violação requintada
Antecederia aí a uma morte tão desejada

Mas DEUS na sua tamanha misericórdia
Não o quiz assim e graças a Deus
Tudo não passou do maior susto
Que jamais terei por mais anos que viva

Após nossa saída de Camabatela
Aí acompanhando meus pais e avó
Fômos novamente assaltados por guerrilheiros
Só que desta vez pelos do M.P.L.A

Minhas irmãs mais velhas
Enquanto eu fazia exames
Sem eu m'aperceber de tal
Nova vida buscaram no Brasil

Foi outro enorme golpe
Pois sempre as amei em demasia
Regressando a Luanda
Debaixo d'um tiroteio cerrado

Vi-me num avião contigo mãe
Junto a ti João, junto o meu pesar
Meu pai em Angola, ficou
Paramos em Acra, até cá vim a chorar
E uma nova vida se abriu...